Lembrando da mulher que sonha

Ana Virgínia Santiago
Divulgação

Chovia em minha aldeia quando ela chegou.

Reconheci a Mulher que sonha, a amiga que sempre conversa  sobre a vida, nossos sonhos, nossas angústias e nossos desejos.

Como os seres que são mistérios, ela chegou silenciosa, acalentando os próprios sonhos  sempre firmando o olhar para o infinito buscando respostas.

Era uma chuva fina anunciando a estação que, inúmeras vezes, desencanta a alegria da alma, talvez, por ser etapa da natureza em que crava no homem a certeza de frio, eterno frio ou então porque harmoniza com o estado de espírito de cada um.

E eu a vi! Distante dela eu a observava.

Ela andava, parava pensativa como se questionasse a sua  imensidão de dúvidas e de certezas e prosseguia no caminhar sereno que sempre deu paz  a quem dela se aproximava.

Lembro-me tanto dos questionamentos sobre a minha vida, sobre as trajetórias que seguem o roteiro da natureza como o amanhecer e o anoitecer e me fazem viva e apta a entender os desencontros.

Como senti falta da Mulher que sonha, nunca mais tinha aparecido e sempre incentivou a minha auto estima. Ah! Os questionamentos, as trajetórias e suas mutações. O contares de história com seus desencantos, os diversos encontros e suas desavenças com, muitas vezes, perguntas sem respostas que muitas vezes me deixavam incrédula.

Chovia em minha aldeia quando ela chegou.

E observando a Mulher que sonha senti a pacificadora companhia dela aproximando-se, cabeça encanecida que traduzia maturidade e sabedoria. Ela que me dava a oportunidade de falar, calar e ouvir. Ela que me entendia e me protegia nos momentos de desespero e dúvidas colocando interrogações   no ar para que eu as aparassem.

E sorri um sorriso de paz, de plenitude porque a Mulher que Sonha para não perecer sempre busca  energias e tinha  voltado para ouvir o meu coração.

Talvez pela idade denotando a experiência de vida ou talvez por ser uma pessoa transparente ela me fazia pacificada  de meus temores e minhas dores para prosseguir.

Eu entendo a Mulher que sonha!

Ela sempre esteve no meu  pensamento porque foi parida da amizade de uma Mulher que me deu a vida, aproximou-se gradativmente e ficou eternizada em mim.

Eu e ela temos muito em comum e até as nossas desavenças são convividas pois  num certo momento atingem os píncaros da compreensão...

Temos muitas afinidades, sim... A Mulher que Sonha tem a mesma sintonia com Vênus - a Dalva iluminada e linda – que sorri  com os seus recados silenciosos e nos dá paz.

Chovia em minha aldeia quando ela chegou e aproximou-se de mim. Há quanto tempo não conversávamos !

Continuava com olhar triste e solitário embora tenha reconhecido um brilho diferente em seu olhar quando vidas jovens reaprenderam a gritar nas ruas e nas praças clamando por  seus direitos.

Observo os seus movimentos. Olhar vago para um prédio que toma e ou deveria tomas decisões importantes. Quantos pensares e lembranças naquele olhar!

E o seu pensamento? Voando, ultrapassando a velocidade da luz, descansando na consciente etapa de que sonhos não são reais, nunca foram, nunca serão? Ou que eles  podem existir       quando palpáveis?

O que pensava aquela Mulher que tanto me intriga? Como me recordo  do dia em que a conheci.

Veio pelas mãos e parida da amizade de uma Mulher que me deu a vida cativando a minha essência.

A  Mulher que sonha chegou até mim e tinha o sorriso mais bonito que poderia existir e o brilho nos olhos que toda criança possui quando descobre a vida em sua plenitude ao ganhar um mimo. Segurava nas mãos toda a esperança que se pode imaginar e guardava na alma os sentimentos que fazem o coração criar asas e dar ao ser humano o poder de voar, sonhando... Por isso percebeu a nossa afinidade : os sonhos!

O que pensava aquela Mulher? O que a fez desencantar?

Relembro dela... Aguardávamos, com outras pessoas,o fantástico recado da natureza.A tarde iniciava a sua arrumação para adormecer preparando o leito de seu amado- o anoitecer, que, antes de cumprir a sua missão natural, se veste de pôr-do-sol para desejar boa noite à sua amada.

 O céu mesmo acinzentando a sua roupagem continuava lindo, desafiando os limites humanos  em que o Nunca pode ter outra simbologia: alimento dos sonhos querendo ser reais, vôos possíveis por estar  fugindo do sol por que é tempo frio com chuva fina...

Ah! Aquela Mulher...Cabelos encanecidos e com tanta sabedoria a aplaudir o maravilhoso fenômeno do pôr do sol.

Tinha as mãos em conchas para agradecer e acreditava que a palavra era a possibilidade legal de acreditar que a verdade era viável.

Dava-me a impressão de carregar a juventude com a vitalidade dos seres que acreditam em sonhos possíveis de ser realizados e aguardava o momento de abrir janelas para o horizonte e vislumbrar frestas iluminadas que lhe dariam mais sentido à vida.

Uma Mulher com cabelos encanecidos que dava lições de vida por tanta vitalidade que transbordava.

Recordo-me do dia que ela chegou....Como hoje, a chuva era fina e o seu coração embalava as querências, questionando, de mansinho, se certos sacrifícios valeriam a frase do poeta Pessoa(“tudo vale a pena se a alma não é pequena”), querendo responder às suas perguntas astuciosas , se  tinha alma grandiosa ou o que faria com ela, essência desencantada?

A Mulher que estava triste chegou com a chuva fina, que se foi para dar lugar ao recado da natureza.

E eu, Faxineira de Ilusões, tendo o final de tarde agindo  em meu coração, perturbando a minha louca e controlada vontade de arrumar na gaveta etérea de minha vida as encontradas facetas( ou máscaras?!) dissimuladas, os gritos existenciais que sufocam, as más frases ouvidas que não foram esquecidas por serem gotas de  mágoas, vi uma fresta iluminando o meu coração.

Era uma  tarde fria, chuva fina que se foi, vidas observando, encantadas, o ritual bonito de deuses e musas impossível de ser vivido por alguns mortais, que insistem em não continuar, em não viver, em não sonhar, em não ser.

Lembro-me sempre daquela Mulher, que conheci num inesquecível final de tarde, pois sorria para mim e carregava nos braços, com cuidado, a desesperança dos seres que um dia acreditaram na possibilidade de ser feliz para provar que a esperança é companheira primordial para a vida.